[DIY] like a hostage

O zumbido ainda estava presente dos ouvidos de Abigail conforme ela corria pela escadaria do hospital, todo seu corpo protestando pelo esforço físico recente após o trauma do acidente, mas o pânico — e a adrenalina — a mantinham em pé e a impulsionavam para fugir daquele lugar. Fugir dele.

Abigail abriu uma porta e, apesar de não fazer a mínima ideia de onde ela a levaria, entrou em seu interior. O corredor característico do hospital lhe saudou as vistas. Da mesma forma que os andares superiores, aquele encontrava-se completamente vazio para o seu completo terror. Não havia ninguém para pedir ajuda, ninguém para impedir que Haziel injetasse o conteúdo daquele frasco em suas veias, transformando-a em alguém tão perigosa e instável quanto o próprio.

Os passos descalços de Abigail ressoavam pelo linóleo claro conforme ela corria, ouvindo os passos de alguém atrás de si. Como uma última esperança, ela empurrou uma das portas que davam acesso a um quarto e a fechou atrás de si, apoiando seu corpo contra a madeira gelada.

O céu era de um cinza escuro, ameaçando inundar a cidade com uma chuva tenebrosa. Cassie observou-o pela janela, ouvindo zumbidos e passos atrás de si.
Fazia pouco mais de um mês que estava pela cidade, observando e agindo como um deles. Sempre tentava escutar as conversas paralelas e fofocas, sobre Haziel e sua amada esposa que pareciam viver um conto de fadas, exceto pela parte onde ele era um louco mental e queria levar todos em sua insanidade.
Sabia que ele estava procurando por Abigail Black para injetar o soro e a transformar em mais um soldadinho de guerra. Cassandra se encontrava ali para que justamente isso, não acontecesse.
Apressou o passo em direção a sala preparatória — ela era uma voluntária no projeto de Haziel, pois conhecia enfermagem e podia ajudar na recuperação dos pacientes —, sabendo que ninguém desconfiava que nenhum soro corria em suas veias e que ela era perfeitamente humana. Alguns médicos se encontravam assustados, se escondiam atrás de uma bancada branca enquanto Abigail, para sua surpresa, jogava bisturis e tesouras em direção a equipe.
Ela correu, passando por Cassandra e desviando para o hospital adentro. Haziel provavelmente estava atrás da mesma, e era sua única chance de alcançar a mulher antes dele. Não tinha um plano, mas conhecia todas as saídas do local, e se tivesse sorte, ninguém notaria algo estranho nela.
Perseguiu a morena correndo, chegando ofegante até uma porta. Entrou rapidamente, mas Abby era muito mais esperta do que pensava e puxou uma faca para seu pescoço — EI! Largue isso, estamos do mesmo lado!
Ela não parecia convencida. Cassie lutou para levar o braço até seu casaco de lã, tirando do bolso um pequeno chaveiro com a torre de paris, pertencia as chaves de seu apartamento e era propriedade de seu pai — Veja! Estou do seu lado, por favor. Eu vim te salvar.

Abigail não tinha sido rápida o suficiente ao fechar a porta e a responsável pelos passos que ouvia conseguiu entrar no quarto junto com ela. Porém, havia muito tempo em que Abigail tinha prometido a si mesma que não deixaria que nenhum deles tocasse nela, quem dirá injetar o maldito soro em seu corpo. Então ela reagiu quase que por instinto, segurando a enfermeira e pressionando o bisturi contra o pescoço dela.

A repórter sabia melhor do que ninguém que nenhum deles, uma vez com a substância do soro dentro do seu sistema nervoso, não era capaz de ser machucado diretamente com a lâmina afiada do bisturi, mas Abigail já tinha ferido seriamente um deles enfiando uma agulha dentro do seu globo ocular. Ela repetiria aquilo se fosse necessário. Não tinha nenhum problema com isso.

A hesitação tomou conta de Abigail quando viu o chaveiro que a garota lhe mostrava. Poderia significar pouco ou quase nada para qualquer outra pessoa, mas não para ela. Aquele chaveiro tinha sido um presente de Abigail para o seu pai, algo que ela tinha comprado para ele na primeira viagem que haviam feito juntos após a morte de Arabella. Ele prometeu que nunca mais iria tirar aquele chaveiro. Aos poucos, Abigail relaxou o seu aperto e a soltou, ainda que mantivesse o bisturi apontado contra ela.

— Quem é você e porque você tem a chave do meu pai?

Cassie riu com toda a situação.
A mulher parecia ferozamente mortal, embora estivesse apenas com um bisturi em suas mãos, não queria imaginar como ela seria com uma arma ou algo do tipo. Por um breve momento, pensou em contar tudo e o motivo de estar salvando-a, mas não tinham tempo e nem lugar para reencontros.
— É uma longa história — Olhou para trás angustiada. Estariam eles esperando no lado de fora? Torcia para que não — Ele me deu o chaveiro. Eu não sou uma prior, sou humana, você precisa acreditar em mim.
Se aproximou dela. Cassandra faria 17 anos em dois meses, tudo o que sabia da vida aprendera com o pai e alguns cursos patéticos que ele insistia que fizesse ao longo da adolescencia, mas nenhum deles a preparou para sua partida. Uma parte de si queria gritar, porque confiaria em Abby? Ela era casada com o inimigo. Entretando, não se podia desconfiar de sangue.
— Não temos muito tempo — continuou. Ignorou o bisturi em direção a sua cara, e retirou do bolso dois cartões eletromagnéticos para usarem em outras portas — Toma, pegue um. Precisamos sair pela ala de pacientes, existe uma saíde de emergência logo após. Um amigo deixou um carro destrancado para nós, presumo que saiba dirigir.
Respirou fundo e colocou a mão no trinque. Seu relogio interior gritava "Vamos, vagabunda, se ficar ai vai morrer". Olhou novamente para Abby, aflita — Ah, um detalhe que precisa saber...os pacientes acabaram de tomar o soro, alguns podem estar mais violentos que outros...Mas não temos outra escolha.

Olhando-a com atenção, havia algo estranhamente familiar na garota a sua frente. Talvez fosse o azul de seus olhos ou formato do seu queixo, mas algo lhe dizia que talvez Abigail já tivesse visto a enfermeira antes, mesmo que não soubesse dizer exatamente de onde, nem quando.

Um filete de sangue escorria pelo pescoço dela, onde a mistura do bisturi e as mãos trêmulas de Abigail se juntaram. Aquele foi o fator decisivo para a repórter confiar na garota. Os que tomaram o soro não sangravam assim, não tão facilmente, o que significava que ela estava lhe dizendo a verdade, pelo menos sobre aquele aspecto.

Tomou em suas mãos o cartão que ela lhe entregara e olhou para baixo. Nenhuma das duas conseguiria ir muito longe enquanto Abigail estivesse usando aquela vestimenta aberta do hospital, ainda mais quando todos os funcionários do hospital conheciam o seu rosto e sabiam quem ela era. Eles não iriam deixá-la sair.

— Eu posso dirigir. — ela disse, remoendo o aperto em seu peito. Tinha sido a direção que a tinha levado até ali, que tinha levado Thomas de si e provocado todas as consequências tão bem conhecidas agora. Dirigir era tão aterrorizante quanto era a única coisa que a levaria para longe de Haziel agora — Mas preciso trocar de roupa primeiro. Eles não vão me deixar sair assim.

Abigail olhou ao redor, tentando encontrar tanto algo que pudesse servir como uma arma melhor quanto roupas novas. O armário do paciente estava entreaberto e havia uma mala ali dentro. Rapidamente, Abigail revirou o seu conteúdo. As roupas eram largas e masculinas, mas pouco importava isso agora. A calça de moletom e o suéter escuro não eram os tipos de vestimenta que Abigail estava acostumada e isso era bom. Se ela não estava acostumada com isso, Haziel também não estaria.

A notícia sobre a distribuição do soro confundiu Abigail. Ela não entendia porque Haziel havia liberado para os pacientes do hospital. Todos os dias o marido vinha e lhe contava sobre os seus planos, sobre o seu jogo político com o uso do soro e como revolucionaria o mundo e todas as novas ideias megalomaníacas que cruzavam a sua mente. Todos os dias, ele faria um único pedido: para Abigail tomar o soro por vontade própria. Todos os dias, ela fingia que ele não estava ali.

— Haziel vai estar aqui a qualquer momento. Ele vem me visitar todos os dias e quando não me encontrar no quarto... — Abigail se calou, por um momento sentiu-se compadecida aos funcionários do hospital que iriam lidar com o temperamento do marido — Mostre o caminho. Qual o seu nome mesmo?

Estava contente por sua meia-irmã não ter enfiado um bisturi em seu pescoço.
— Cassie. Cassie Hudsson — disse por fim. Tinha quase certeza de que o pai jamais havia contado para Abby sobre sua existência, mas não deixou de ansiar para que ela percebesse alguma coisa.
Guiou a garota pelo vasto hospital, adentrando em corredores e pavilhões lotados de enfermeiros e médicos. Alguns homens vestidos totalmente de preto circulavam o edifício, presumia que fossem como guardas ou espiões de Haziel. Priors reconheciam-na, mas estavam tão absortos em seu trabalho que não notaram o passo apressado de ambas as meninas.
Finalmente encontraram um longo corredor barrado por uma porta de mental. Lá dentro, existia pequenos quartos onde pacientes terminavam sua transição, alguns de uma forma mais bruta que outras. Existia desprers adiante, enlouquecidos e sedentos por qualquer sangue que encontrassem la dentro.
— Essa é a parte mais difícil, Abigail — deixou escapar o nome inteiro de sua parceira de crime — Vamos usar os cartões para entrar. Eles estão na fase final, podem nos matar na adrenalina, mas bem la no fundo existe uma porta vermelha com uma cruz dourada, ela dá acesso a um pequeno laboratório de exames...onde contém a formula do soro. Uma janela estará destravada para nós.
Antes de abrir a porta com o soro, engoliu sua própria saliva. Tentou não encarar os olhos de Abby, falando um pouco mais baixo — Haziel provavelmente estará lá. Quando chegarmos, terá que fazer uma escolha, Abby. Você pode abandonar tudo isso e ir embora, a hora da vingança não é agora.
Pausou. O quanto confiava que ela pudesse fazer a escolha certa? Talvez ela não tivesse outra alternativa — Ou então...Você pode ficar, escolher Haziel.

O coração de Abigail batia tão alto que suas batidas pareciam ecoar em seus próprios ouvidos, seguindo os ritmo apressado de seus passos conforme ela e a recém conhecida Cassie Hudsson seguiam pelos corredores do hospital, em sua melhor performance de quem pertenciam a aquele lugar.

O nome de Cassie lhe era extremamente familiar, assim como o seu rosto. Dessa vez, Abigail tinha mais que a certeza de que já tinha ouvido esse nome antes, mas não fazia ideia nem de quando ou de onde. O pensamento quase evaporou de sua mente quando as duas chegaram em um corredor dividido por uma porta de metal. Todo o seu interior era separados por quartos onde outros pacientes estavam gritando e se contorcendo em suas camas, no chão ou batendo furiosamente contra os vidros de separação. Aquela cena a assustou ainda mais profundamente, imaginando que era exatamente aquilo que Haziel — a pessoa que jurara em frente a uma igreja lotada com sua família, que iria lhe proteger de todo o mal — havia planejado para ela.

Ouviu com atenção a explicação de Cassie e tentou regular as suas respirações. Ninguém iria acreditar que Abigail pertencia ali se suas mãos estivessem tremendo e com a respiração completamente descompassada. Por fim, as palavras dela surpreenderam a ex-repórter, provando à ela que Cassie não sabia o que tinha acontecido com Abigail. Ninguém que tivesse passado pelo que ela passou escolheria Haziel. Não a pessoa que o soro havia transformado ele.

— Haziel fez uma escolha. — Abigail disse em voz baixa — E a escolha dele acabou com nosso casamento. Ele me prendeu aqui.

Esperava que tivesse dado razão suficiente para Cassie saber que Haziel não era mais uma escolha para Abigail. Talvez nunca tivesse que ter sido.

— Por favor, me tire daqui.

Abigail virou-se e passou o cartão de acesso pelo sensor.